Sobre a desconstrução: teoria e crítica do pós-estruturalismo II



De como se procura entender as idéias de Jonathan Cullera partir da leitura de Marco Lucchesi


Nas últimas décadas do século XX, apostou-se fortemente – em se tratando do estudo da Literatura – na fenomenologia. Por isso, Saussure continua sendo o emblema das formas que tocaram mais de perto os ismos da teoria literária, desde o formalismo russo ao New Criticism, desde o funcionalismo de Verbátski, ao estruturalismo de Lévi-Strauss, desde a arqueologia de Foucault ao pós-estruturalismo de Derrida, pois que todos vivem a herança da fenomenologia, longe de reduções idealistas metafísicas ou historicistas.
Jonathan Culler conhece essa linguagem e as suas múltiplas reflexões e aplicações, que podem ser identificadas em duas vertentes. A primeira, intermediando leituras e desleituras, angústias e influências, textos e arquitextos, lexias e significantes. A segunda, lança mão de todas as abordagens possíveis para conseguir a arquirresposta do texto, ou de suas promessas fenomenológicas.
Consciente de que muitas abordagens já se tornaram clássicas, Culler recolhe todas as informações centrais e polêmicas da herança pós-estruturalista e marca seu espaço dentro da estética da recepção, ocupando-se da crítica centrada no leitor, na resposta do leitor.
Desse modo, Culler não entende a desconstrução como um projeto simplificado para cuja totalidade deveria orientar-se o desconstrucionismo. Também rejeita a idéia de que o texto compõe-se de partículas de significantes. Culler distingue os termos puramente filológicos da desconstrução e as migrações conceituais capazes de abrir todas as portas do texto. Volta-se firmemente para a estética da recepção, como foi absorvida nos Estados Unidos.
Vale ressaltar, ainda, que Culler não incorre no erro de criar um bricolage teórico onde a celebração da “falência da interpretação” permite unir todos os ismos numa síntese disforme e absurda. Ao contrário, ele elabora uma linguagem que fixa o conceito alheio para forçar-lhe a extensão e a compreensão.

De como se tenta compreender a desconstrução, segundo Jonathan Culler

No começo da década de 1980, escrever sobre teoria da crítica, segundo Culler, já não é mais apresentar novas indagações, métodos e princípios, mas influir em um “vívido e atordoante debate”. E, por ser a literatura abrangente, tendo como matéria toda a experiência humana – de modo ordenado, interpretado e articulado –, além de analisar as relações entre homens e mulheres, ou as manifestações da psique humana; possibilita que qualquer teoria extraordinária ou coerciva seja levada para a teoria literária. Assim, teóricos da literatura podem ser receptivos às teorias que desafiam as hipóteses da psicologia, antropologia, psicanálise, filosofia, sociologia ou historiografia ortodoxa contemporânea, o que faz da teoria da literatura uma arena de múltiplos debates. A extensão de escritos teóricos incluídos na teoria da literatura é vasta demais, levando a uma não-abrangência da discussão da teoria literária de uma década. Sua opção (a de Culler) pela desconstrução como foco de estudo, deve-se ao fato de que a desconstrução foi a principal fonte de inovação na recente teoria e que abrange as mais importantes questões da Teoria Literária.
Aos estudantes de literatura e teoria literária interessa mais sou poder de método de leitura e interpretação que uma posição filosófica, uma estratégia política ou intelectual. Segundo Derrida, “a desconstrução deve através de um duplo gesto, uma dupla ciência, uma dupla escrita, pôr em prática a revisão da opção clássica e uma substituição geral do sistema. O praticante da desconstrução trabalha dentro dos termos do sistema, mas de modo a rompê-lo. Desconstruir um discurso é mostrar como ele mina a filosofia que afirma, ou as oposições hierárquicas em que se baseia. Um exemplo é a desconstrução nietzschiana de causalidade”. Afirma Culler: “se o efeito é o que faz da causa uma causa, então o efeito, não a causa, deveria ser tratado como origem”.

De como se compreende as principais características e eixo de variação da crítica literária desconstrutiva, segundo Culler

A discussão das implicações da desconstrução para a crítica literária identificou uma série de possíveis estratégias e preocupações. Uma vez que a crítica desconstrutiva é uma exploração lógica textual em textos chamados literários, suas possibilidades variam. A desconstrução é criada por repetições, desvios, desfigurações. Ela emerge dos escritos de Derrida e de Man apenas pela força da iteração: imitação, citação, distorção, paródia. Ela persiste não como unívoco conjunto de instruções, mas como séries de diferenças que podem ser projetadas sobre vários eixos, tais como o grau em que a obra analisada é tratada como unidade, o papel acordado a leituras anteriores do texto, o interesse em procurar ligações entre significantes e a fonte das categorias metalingüísticas empregadas na análise. A vivacidade de qualquer empreitada intelectual depende das diferenças que tornam possíveis as argumentações, enquanto impedem qualquer distinção entre o que está dentro e o que está de fora dessa empreitada.
O segundo aspecto da desconstrução é uma suspeita da vontade dos críticos de celebrar a ambigüidade como uma riqueza estética. As leituras desconstrutivas podem se recusar a fazer da riqueza estética um objetivo. A crítica desconstrutiva nunca pode alcançar conclusões definitivas, pois consiste na busca de diferenças. Mas pára quando não pode mais identificar e desmantelar as diferenças que agem para desmantelar outras diferenças.
Um dos princípios da desconstrução é a leitura retórica – a atenção às implicações da figuralidade em um discurso. Segundo Derrida, a desconstrução não é uma operação crítica. A crítica é seu objeto, a desconstrução diz respeito à confiança no crítico ou no processo crítico-teórico, isto é, no ato de decidir, na possibilidade final do que pode ser decidido.
Para de Man, uma desconstrução sempre tem como alvo revelar a existência de articulações e fragmentações ocultas dentro de totalidades assumidamente monódicas.
Um dos principais efeitos da Crítica Desconstrutiva tem sido romper o esquema histórico que contrasta a literatura romântica com a pós-romântica e vê esta como uma sofisticada ou irônica desmistificação dos excessos e enganos da primeira. As leituras desconstrutivas caracteristicamente desfazem os esquemas narrativos, focalizando, em vez disso, diferenças internas, Também se ocupam das simplificações efetuadas por decisões sobre a referencialidade.
A crítica desconstrutiva pode analisar uma obra como leitura de outra, buscando a lógica de um significante ou complexo significante à medida que se desloca através de uma variedade de obras, ou usando as estruturas de uma obra para revelar uma energia radical em passagens aparentemente asfixiantes de uma outra.
A tarefa do crítico é identificar um ato de desconstrução que, em cada caso diferentemente, já foi sempre realizado pelo texto sobre si mesmo. As leituras anteriores e as leituras desconstrutivas enfocam os sentidos e as operações que aguardam ali, em tensa coexistência, atos de identificação que as trarão à luz. No entanto, o modo como leituras anteriores são situadas por ensaios desconstrutivos varia de forma considerável. As leituras desconstrutivas são inclinadas a achar afirmações não sobre o que pode acontecer ou freqüentemente acontece, mas sim sobre o que deve acontecer.
Em vários casos, crítica e obra argumentam bem pelas verdades derivadas da obra; eles às vezes explicam a natureza da necessidade que faz a verdade valer para toda linguagem, todos os atos da fala, todas as paixões, todas as cognições. Em outros casos, como nos diz de Man, não se pode nem mesmo imaginar como o crítico poderia argumentar pela verdade em questão, como declaração de que nada segue ou existe em outra parte; e se é levado a suspeitar que uma certa fé no texto e na verdade de suas implicações mais fundamentais e surpreendentes é a cegueira que possibilita as percepções da crítica desconstrutiva, ou a necessidade metodológica que não pode ser justificada, mas que é tolerada pela força de sus resultados. O papel estratégico desse compromisso com a verdade do texto, quando exaustivamente lido, sem dúvida ajuda a explicar por que a crítica desconstrutiva americana se concentrou nos principais autores do cânone: se tal análise pressupõe que a verdade irá emergir de uma leitura vigorosa, será mais fácil defender esse ponto de vista lendo Rousseau, Melville ou Mallarmé do que lendo autores não-canônicos.
Concluindo, não se deve entender a crítica desconstrutiva como mera celebração da livre associação dos leitores e eliminação do sentido e da referencialidade. Basta examinar uns poucos dos muitos exemplos da crítica desconstrutiva. Alguns críticos que pensam dessa maneira revelam em seus trabalhos uma defesa contra as afirmações sobre a linguagem e sobre o mundo.
  
Referência

CULLER, Jonathan. Sobre a desconstrução: teoria e crítica do pós-estruralismo. Trad. Patrícia Burrowes. Rio de Janeiro : Record : Rosa dos Tempos, 1982.

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