sexta-feira, 15 de junho de 2012


eras tu

quem dera teu riso
assim
devagar...
como os olhos das velhas nas praças de tua cidade

a missa domingueira
a voz repentina
de homens trabalhando ao sol
na feira ruidosa

teu riso me olhando
incerto, traquino...
menino pelego

a vida roda... roda...
incerta talvez
num dia como o de hoje
vieste
artesanatos, mesas repletas...
depois tudo embranqueceu-se
da mais pura cor branca
como branca é a alma daquela mulher

uma noite.
somente uma noite
no quarto andar da encruzilhada
foi o necessário

quem dera teu riso
assim devagar...
como os velhos nas praças de tua cidade

as moças namoradeiras
que esperam pelo milagre virginal
da lucidez etílica e amarela

eras tu
a voz pelos fios de cobre


16/01/2008

um peixe azul

nesses dias de incertezas
os querubins nas alturas
entoaram cânticos sagrados
serafins soaram trombetas
e os céus iluminaram-se com cometas
o firmamento se refaz
no sorriso daquele rapaz

outra vez, após milênios
a água une-se à terra
brota com força a vida

nas montanhas o capricórnio
espia e deseja
das águas azuis
um peixe



metáfora

qual poeta baiano
quero corresponder ao teu beijo
roçar minha língua
dizendo nada
nada


meu amor,
aquele verso adolescente
deixe pra eles

trago o verso
que construo
a duras penas

há penas em teu riso
suave e maroto
qual espetáculo

queria rir contigo
o riso das crianças
e tomar sorvete

27/10/2004





de que serve, então
aquela árvore
eterna crescendo
com sombra e frutos
se apenas há duas mãos pra colher

27/10/2004


onde estás, Amor, que não vens
já queimei incensos
mudei a planta de lugar
pus pra tocar aquela canção
abri-te meu coração

e aí? não vens?
já decorei o poema
rabisquei versos
lírico me fiz

enquanto há tempo
quero te dizer: eu te amo
embora tragas amarguras
são tuas as duas esperanças
não importam andanças

há um canto ao meu lado
toado retocado guardado
deixarei a porta aberta
incerta, talvez



dispersão

juntei papéis, juntei
papéis e folhas
rabiscos e traças
amores gastei

os passos agachados no vão
furtivas vozes
sobre colchões baratos

juntei papéis:
as folhas de Whitman
secaram lágrimas dispersas
na cidade, na cidade
na cidade
de onde vinhas?

tu e teu ser
pisando as flores já tão
vozes meladas de álcool e fumo

juntei papéis
as bostas ao vento
belezas urbes e flores
arrulhos ao sol

juntei papéis:
olhar vago e atento
de lágrima escolar
o conto novo e virgem

juntei papéis
juntei


déjà vu


o sorriso da atriz revela-me
que na vida nem tudo é verdadeiro
como a luz e as estrelas
e as cores da pintura na parede

o sorriso do tocador de violão
com seu terno e camisa azul
me olhando sem me ver
como os amores noturnos findos com o sol

de tardezinha quando volto pra casa
vem comigo uma vontade danada
de te ver me esperando pro jantar

dissonância

e a menina com seus caracóis
vestida qual matutinha
dançava e encantava
à avó, ao tio e à tia

a menina perdeu-se no tempo
e a vida rodou, rodou
o sonho, subiu, subiu

foi numa noite igual a esta
que a menina chorou, chorou
e tudo foi diferente
do que tinha de ser

07/09/2004


lírico nº 1

cedo-me
aos encantos
desse momento singular

guardei-me inteiro
para um dia viver
veludos de pele tua
dos deuses os aromas

(Cupido travesso cravou sua seta)

da janela do alto
a cidade ruge luzes de todas as cores
serpenteando tantos quereres

travo todas as portas
apenas a tua estará sempre aberta
rosas em manhã de sábado


quarta-feira, 13 de junho de 2012


a beleza não está nas vitrines



Olha o grito
Rasgando o peito do rapaz
No palco com lágrimas nos olhos
E o peito repleto de solicitude fulgaz
Olha a voz
Pintando olhares acesos
Na escuridão da platéia patética
Parte incontornável da sorte
Olha, olha
Apenas olha
Os cabelos negros do homem sério
Atento às palavras
Eletrificadas no ar mofoso do auditório
E as meninas cúmplices
E as emoções no peito dos rapazes

Teu olhar turvo ouviu o que não se vê
Apenas.



meu bem


meu bem, baby
não queira enganar-se
achando que tudo é de vez
não.
veja a ponta do cigarro
deixado no cinzeiro
e a fumaça já era

meu bem, baby
não queira magoar-se
pensando que everything is beautiful
não.
e a mentira verdadeira
como fica
se tudo é nada
nessa porra de merda

meu bem, baby
não queira não queira
virgular o texto do caos
se a norma não está na moda
não.
olhe em volta de mim
veja os gritos das cores sóbrias
nos cacetes dos garotos bandidos
nas bocetas das mina putas na praia

meu bem, baby
ouça as bombas e os tremores
no leste e no oeste
o corpo nu do último estupro
no recolhimento antes de janeiro
não.
há mais que um desenho no ar
a agulha que fura fria teu olho
faz o cu apertar lascivo
indiferente ao que vem por aí

meu bem, baby
não queira acreditar
que tudo é um cristal rosa
por trás da máscara do homem
esconde-se a cicatriz.


despedida


não quero mais que leias
em minha camisa
a velha frase
que dizia o quanto eu te amo

meu bem, meu bem

não mais i love you
o que nos resta
é um grito pateta
de dizer o que não se quer mais

meu bem, meu bem

de que vale ser filho da santa
se nem tudo o que buscamos
cai do céu

meu bem, meu bem

teu beijo perdeu-se na boca vermelha
da puta linda

meu bem, meu bem

digamos adeus e nada mais

canto de nenhum lugar


Temos que sair deste lugar
Meu bem
Onde as flores não brotam mais
Pra onde?
Pra onde?

Não há mais nações nem canções
Cujas flores cresçam enfim

Vamos, amor
Vamos aonde haja a flor
Sei que acabou
Está tudo junto. E aí?
Pra mim e você
Ainda sou jovem e você?
Pegue meu coração
E cante aquele verso

Temos que sair deste lugar
É o melhor pra mim e você

Temos que sair deste lugar
Meu bem,
Eu sei da dor do mundo e sofro.

25/03/2004

ela e a cama

Para Hilda Hilst

A mulher na cama
deita e arde
sôfrega espera
espera
espera

A mulher na cama
chora pra dentro
o gozo que não vem
não vem
não vem

lá fora a vida passa.
passa

07/03/04

de vera


Meu bem, meu bem
o mundo não é assim de repente
nem a vida nem o baluarte
nem...

Meu bem, o mundo é de Vera
e a vida uma merda cheirosa
que fertiliza minhas flores
que depois murcham
e vêm outras e outras
e abelhas e besouros
e colibris

Meu bem, meu bem


08/02/2004

Amor



pra que esse embaraço
de corpos suados
saliva no mamilo
hálito entre pernas
se o mais importante
não está
no meu esperma
nem no teu suor:
saliva do sexo.

O cão vê as flores



Que faço então com as flores
do meu jardim
que não brotam mais
e a grama que não podei
o cão esteve a ver
borboleta do riso em prosa
caos infecundo
da não-palavra dita em sussurro
bafo no teu olhar
e aquele braço bonito
a cortar flores sem cor
enquanto o olhar
retinifica tua imagem
para sempre,
para sempre
mitema a que sigo
pisando flores murchas
suor na pele
devorada pelo cão do caos.

06/02/2004

samba-canção nº 0


A melancolia doce do violão
Fotografa tua pele
Em minha boca
O cheiro do som do samba
Toca-me a face
Em acordes
E batuques
Que insisto em sentir na tua língua

Requebros de nádegas
Minhas
Batuta maestria
Pluralizamos unívoco nosso mundo


04/02/2004

o olho da urbe

O prazer que busco
tal fazer em verso
tropeço e não encontro
o som certo
Assim, fujo de aqui
e digo qualquer coisa
ao telefone
meu amor
onde ficou o lirismo de antes?
senão o inferno dessa
realidade puta que pariu
catarro das cidades urbes
vitrines, risos boticários
bundas da zoomp
peitos bombados
vaginas sempre livres
cacetes jontex
e uma loira loreal.

O rapaz obeso com jeito de macho
coça o saco cospe no chão
pisca pro outro por trás do bigode

(meu amor não estava de apoita nem no cais do porto)

19/07/2003

fiquem apenas com palavras

E esses leitores que querem
encontrar em meu passado
a si mesmos
não sou aquele que não pôde ver o fogo
nem equacionei pedras
nem caminhei por entre labirintos
nem chamei por Judie, Mary ou Gide
fui o que sentava ao batente de casa
e chorou a juventude ensolarada
fui aquele que em si mesmo morreu
fui o que ficou esperando

Não, leitores, não queiram
encontrar meu passado
fosso profundo e escuro
fiquem apenas com palavras.


23/06/2003

suíte inócua nº3

Se você não suportar
a dor de ver
meu amor sangrando
então, puxe o gatilho da culpa
e só.

Se você puder crer
que o amor
não precisa de mais ninguém
pra você não digo sim.


26/06/2003

suíte inócua nº2

O que que você pensa
de tudo o que nos disseram
por anos e anos
sobre o amor e tudo o mais?

Como você sente
eu e o dia em sua vida
você precisa de alguém
pra te dizer
que eu preciso de alguém

Não quero um favorzinho para o meu coração
nem quero ninguém
que me socorra dos amigos

De que adianta
você chorar seu passado
se na vida apenas trouxe
o que resto de mim
em vagos
nas vagas de seu riso

não queira me dizer
agora tudo bem

O que você pensa
desse jeito livro
de dizer a dor do mundo
ou melhor
a dor da existência
velhas flores murchas

E o verso quebrado de seu amor!