quarta-feira, 13 de junho de 2012


Ode à memória

para Conceição Lopes Pereira

Minha memória está viva. Viva!
Viva à memória deste potiguar maluco, louco, não apagou


Encontrei minha amiga louca – Alberto Caeiro –
Desmaio entre músculos supostos –
Das noites de anjo barroco em neópolis
Ao som do olhar 43 e vinho
E comida de apartamento.


Viva a Ceiça, Conceição, que acendeu minha memória e Rosa e Sírame
O poeta Da Rua onde está?
O poeta dos Brotos onde está?
E Afonso e Mazinho e todos os ébrios das noites quentes e cachaça com tripa de porco no bar do coelho?


Viva a memória que trouxe de volta Pessoa, Bandeira,
Ana C. e todos os poetas malditos!
Estou vivo!
Finalmente me liberto do taliban!
Estou vivo!
E ouço o batuque não dos maracatus, mas do Balanço do Morro na ânsia do menino que esperava ver o samba na calçada...


Ó calçada de minha infância!
Tão odiada e amada
Prisão e portal para a liberdade
Ah calçada! Onde o poeta Da Rua conversava e me trazia as novidades dos marginais.
Passado ancestral mas não mudo,
Passado que carrego em meus dias,
Ó dias que carrego pesado em silêncios e solidão constantes
Dor de dente que perpassa todo meu ser.


Hoje, dessa varanda gradeada, ouço o ronco dos motores da Caxangá
Não a Caxangá do poeta das pedras
Mas a Caxangá líder em atropelamentos
E contemplo o Cordeiro que deixarei para trás
Junto com sua poeira interminável de sábados sem fim...
Vejo o tédio dos meus dias indo em boa hora...


Ainda bem que existe o adeus!
Adeus, Veneza Brasileira!
Adeus, Recife dos mascates!
Adeus, Jaboatão dos Guararapes!
Adeus, Olinda que não achei tão linda mais!
Adeus, bigodes hipócritas!
Adeus, negros disfarçados de brancos!
Adeus, mulheres com a moda do novo século mas com a mente no XIX!


(mas não revolucionárias republicanas)


Graças a Deus que existe Meia-Noite e sua gente,
Selma do Coco, Mestre Ambrósio,
O saudoso Chico Science e Gonzagão,
O Daruê Malungo e seus negros negros
E aquele branco negro que me encantou
E todas as cores das chitas
E atabaques e tambores
E as crianças disciplina de África
E aquela tatuagem em braço de branco batucando afoxé
Adeus, senhora quatrocentona barroca!
Gorda e cansada, a reprovar a tudo e a todos
Velha e feia.
Adeus, hipócritas de terno e vestidos longos a encobrirem suas ardências lenitas!
Adeus, falsidades ideológicas!
Adeus, conventos abrigos de homens.


(eu vi teus bastidores e não gostei)


Ainda bem que tem Bandeira
Ainda bem que tem os neomarginais de Abreu e Lima,
Ainda bem que tem Devotos, Mundo Livre e o Nação Pernambuco,
O homem da Meia-Noite, o Bacalhau com Batata,
E o estandarte daquele bloco descendo a ladeira centenária.


Chega de falsos machos!
Viva Marilene Felinto!
Viva Djair Rego e Sandra Roque!
Viva! Viva! Viva à memória!


Não me vou embora pra Pasárgada
Pois não quero ser amigo do rei
Nem me deitar com mulher nenhuma
Pois não escolherei.


Vou em busca do sol
Do mar morno
Do corpo magro
Vou voltar pro meu ninho, carinho


Viva, Fernando Pessoa, Witman, Wilde
Viva, Mário de Andrade, Oswald e Pinto Calçudo
Vou sumir no horizonte feito o final de O Guarani
Vou em busca do meu uiraquitã
Que está dentro de mim mesmo.


Adeus, mosteiro trapista!
Chega de disciplina medieval,
Chega de contemplar o umbigo,
Chega de silêncio,
Chega de doar-se,
Chega de calar-se.


Viva! A memória que me trouxe de volta à vida!
Viva Maria Moura, Diadorina e Luzia-Homem!
Viva Bárbara de Alencar!
Viva Exu
(que é abelha e não, demônio)
viva às mulheres-varões!
Viva!


Eh-ah! nego-bom, bolo de rolo e de bacia, mas vou buscar tapioca com peixe frito e cerveja nas manhãs da Redinha!


Adeus, Pernambuco!
Adeus, Recife!
É a saudade que tá me levando pelo braço!

Florêncio Caldas
Madrugada de 3/11/2001.

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